QUE PROPOSIÇÃO ESCOLHER?
Profa. Dra. Regina de Cassia Manso de Almeida (CTAIBB/UFF1)
RESUMO: Este artigo trata do teorema de Tales enquanto uma mesma nomeação para diferentes proposições da geometria plana. Tal questão surgiu quando eu analisei livros-texto representativos entre aqueles usados para o ensino-aprendizagem da geometria dedutiva no Brasil, a partir do século XIX. O estudo histórico esclareceu a origem e o porquê desta denominação em diferentes países, com destaque para o caso brasileiro. O que se constata é que o tema mobiliza discussões importantes e variadas como o desenvolvimento dos conteúdos, dos livros-texto, da rede de influência entre diferentes países.
PALAVRAS-CHAVE: conteúdos da matemática escolar, livro-texto, Tales, História da matemática escolar
INTRODUÇÃO
O teorema de Tales é um conteúdo tradicional da geometria plana escolar, sempre presente em livros-texto da escola básica, sendo uma proposição fundamental no estudo da semelhança de figuras geométricas, envolvendo o conceito de grandeza e seus desdobramentos como comensuralidade, incomensuralidade, entre outros. No entanto, quando o objetivo é conhecer o que os livros-textos usados no ensino apresentam como teorema de Tales, nos deparamos com uma questão crucial - a do nome, porque teorema de Tales2 nomeia diferentes proposições. Daí a pergunta – qual proposição escolher?
Tal questão surgiu quando eu fiz um estudo da abordagem dedutiva em geometria plana em livros-texto usados para o ensino no Brasil a partir do século XIX. O conjunto dos livros analisados mostrou que o nome teorema de Tales aparece pela primeira vez, por volta da segunda década do século passado, não havendo qualquer referência à origem desse uso. Nesse sentido, com base nos autores Patsopoulos e Patronis (2006), fui buscar um esclarecimento que me permitiu apresentar também um quadro geral do que ocorreu em outros países.
O teorema de Tales é um conteúdo tradicional da geometria plana escolar, sempre presente em livros-texto da escola básica, sendo uma proposição fundamental no estudo da semelhança de figuras geométricas, envolvendo o conceito de grandeza e seus desdobramentos como comensuralidade, incomensuralidade, entre outros. No entanto, quando o objetivo é conhecer o que os livros-textos usados no ensino apresentam como teorema de Tales, nos deparamos com uma questão crucial - a do nome, porque teorema de Tales2 nomeia diferentes proposições. Daí a pergunta – qual proposição escolher?
Tal questão surgiu quando eu fiz um estudo da abordagem dedutiva em geometria plana em livros-texto usados para o ensino no Brasil a partir do século XIX. O conjunto dos livros analisados mostrou que o nome teorema de Tales aparece pela primeira vez, por volta da segunda década do século passado, não havendo qualquer referência à origem desse uso. Nesse sentido, com base nos autores Patsopoulos e Patronis (2006), fui buscar um esclarecimento que me permitiu apresentar também um quadro geral do que ocorreu em outros países.
O CASO DO BRASIL
Compõem a amostra desse estudo, as seguintes obras usadas para o ensino da geometria dedutiva em nosso país, a partir do século XIX:
Elementos de Geometria pelo Marquês de Paranaguá, Rio de Janeiro,
Typographia Austral, 1838;
Elementos de Geometria e Trigonometria Rectilinea compilados por C. B.
Ottoni, 9ª edição da Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, sem data (1ª ed. 1853);
Curso de Geometria por Timotheo Pereira, Livraria Francisco Alves, Rio de
Janeiro, 2ª edição de 1898 e 11ª edição de 1927;
Elementos de Geometria por André Perez y Marin e Carlos F. de Paula, 3ª
edição da Companhia Melhoramentos de São Paulo, sem data (1ª ed. 1912);
Elementos de geometria, livro da série de publicações F.I.C., sem edição, 1933; versão para o português de Eugenio de Barros Raja Gabaglia;
Curso de Matemática, 3ª Serie II - Geometria, Euclides Roxo, edição da
Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1931;
Matemática Ginasial, Euclides Roxo, Mello e Souza, Cecil Thiré, 4ª série, 2ª edição da Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1945;
Curso de Matemática, 4ª Série – Curso Ginasial, Algacyr Munhoz Maeder, 13ª. Edição da Edição Melhoramentos, 1959;
Matemática – Curso Moderno, Osvaldo Sangiorgi, Companhia Editora
Nacional, volume 4 e 3, São Paulo, 1969.
A designação teorema de Tales consta apenas de cinco dos livros usados no
ensino brasileiro, considerando o conjunto acima: Perez y Marin e Paulo (s.d., 1ª ed. 1912), Elementos de geometria F.I.C. (1933), Roxo (1931), Roxo, Thiré e Mello e Souza (1945), e Sangiorgi (1969).
Compõem a amostra desse estudo, as seguintes obras usadas para o ensino da geometria dedutiva em nosso país, a partir do século XIX:
Elementos de Geometria pelo Marquês de Paranaguá, Rio de Janeiro,
Typographia Austral, 1838;
Elementos de Geometria e Trigonometria Rectilinea compilados por C. B.
Ottoni, 9ª edição da Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, sem data (1ª ed. 1853);
Curso de Geometria por Timotheo Pereira, Livraria Francisco Alves, Rio de
Janeiro, 2ª edição de 1898 e 11ª edição de 1927;
Elementos de Geometria por André Perez y Marin e Carlos F. de Paula, 3ª
edição da Companhia Melhoramentos de São Paulo, sem data (1ª ed. 1912);
Elementos de geometria, livro da série de publicações F.I.C., sem edição, 1933; versão para o português de Eugenio de Barros Raja Gabaglia;
Curso de Matemática, 3ª Serie II - Geometria, Euclides Roxo, edição da
Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1931;
Matemática Ginasial, Euclides Roxo, Mello e Souza, Cecil Thiré, 4ª série, 2ª edição da Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1945;
Curso de Matemática, 4ª Série – Curso Ginasial, Algacyr Munhoz Maeder, 13ª. Edição da Edição Melhoramentos, 1959;
Matemática – Curso Moderno, Osvaldo Sangiorgi, Companhia Editora
Nacional, volume 4 e 3, São Paulo, 1969.
A designação teorema de Tales consta apenas de cinco dos livros usados no
ensino brasileiro, considerando o conjunto acima: Perez y Marin e Paulo (s.d., 1ª ed. 1912), Elementos de geometria F.I.C. (1933), Roxo (1931), Roxo, Thiré e Mello e Souza (1945), e Sangiorgi (1969).
São as seguintes, as proposições nomeadas como Teorema de Tales:
P.1. Um feixe de retas paralelas determina sobre duas transversais segmentos proporcionais. (Sangiorgi, 1969, p. 146)
P.2. Toda parallela a um dos lados de um triângulo determina outro triângulo semelhante ao primeiro. (Perez y Marin e Paula, s.d., p. 73)
P.3. Dois triângulos equitângulos entre si têm os lados homólogos proporcionais. (Roxo, 1931, p.293)
P.4. Dois triângulos são semelhantes quando têm dois ângulos iguais cada um a cada um. (Roxo, idem, p. 292)
A primeira das proposições acima aparece apenas no livro de Sangiorgi (1969, p. 146), a segunda, nos demais livros, ou seja, Perez y Marin e Paula (s. d., 1ª ed. 1912, p. 73), Elementos de Geometria F.I.C. (1933, p. 93), Roxo (1931, p. 291-292), Roxo Thiré Mello e Souza (1945, p. 223-224), e as de índice P.3 e P.4, acima, constam apenas da obra de Roxo (1931, p.293-292).
O registro do nome teorema de Tales aparece a partir de Perez y Marin e Paula. Mas, consultando os programas do Colégio Pedro II encontramos o seguinte:
Programma de Ensino para o ano de 1915. 64ª. lição: Triângulos semelhantes.
Theoremas. Theoremas de Thales. Coincidentemente consta também pela primeira vez a denominação de outro teorema: 77ª lição: Relações entre superfícies. Theorema de Pythagoras (Beltrame, 2001). Com isso, levantamos evidências de que na segunda metade do século passado essa denominação se estabelece nos conteúdos escolares, considerando a literatura usada no Brasil e também o currículo escolar.
O que dizer sobre a variedade de nomes? No contexto de uma abordagem
dedutiva em geometria plana, afirmamos que as diferentes proposições se correlacionam e que isso deve ser levado em conta na hora de demonstrar. Mas, no que se refere à presença da nomeação das proposições, a investigação histórica dos conteúdos escolares indica pistas.
Tradicionalmente, a história da matemática fez menção aos feitos de Tales. Roxo (1931), com base em Smith (1958), menciona Tales algumas vezes no texto Thales de Mileto, apresentando quais teoremas podem ser atribuídos provavelmente ao antigo matemático. Ele lista seis casos:
1º Os ângulos na base de um triângulo isósceles são iguais.
2º Quando duas retas se cortam, os ângulos opostos pelo vértice são iguais.
3º Um triângulo fica determinado, quando se dá um lado e os ângulos adjacentes.
4º Os lados dos triângulos equitângulos entre si são proporcionais. (Aplicada a medida da altura da pirâmide pela sombra).
5º Qualquer diâmetro divide o circulo em duas partes iguais.
6º O ângulo subentendido pelo diâmetro de um circulo em um ponto qualquer da circunferência é reto. (p. 28-29) Roxo elenca ainda os seguintes casos em que se usa a denominação teorema de Tales, embora, como os outros autores não mencione nada sobre a origem desse uso:
a) A soma dos ângulos de um triângulo é igual a dois retos ou a 180º. (p. 90)
b) Toda paralela a um dos lados de um triângulo forma com os outros dois lados um triângulo semelhante ao primeiro. (p. 291)
c) Dois triângulos equitângulos entre si têm os lados homólogos proporcionais. (p. 293)
P.1. Um feixe de retas paralelas determina sobre duas transversais segmentos proporcionais. (Sangiorgi, 1969, p. 146)
P.2. Toda parallela a um dos lados de um triângulo determina outro triângulo semelhante ao primeiro. (Perez y Marin e Paula, s.d., p. 73)
P.3. Dois triângulos equitângulos entre si têm os lados homólogos proporcionais. (Roxo, 1931, p.293)
P.4. Dois triângulos são semelhantes quando têm dois ângulos iguais cada um a cada um. (Roxo, idem, p. 292)
A primeira das proposições acima aparece apenas no livro de Sangiorgi (1969, p. 146), a segunda, nos demais livros, ou seja, Perez y Marin e Paula (s. d., 1ª ed. 1912, p. 73), Elementos de Geometria F.I.C. (1933, p. 93), Roxo (1931, p. 291-292), Roxo Thiré Mello e Souza (1945, p. 223-224), e as de índice P.3 e P.4, acima, constam apenas da obra de Roxo (1931, p.293-292).
O registro do nome teorema de Tales aparece a partir de Perez y Marin e Paula. Mas, consultando os programas do Colégio Pedro II encontramos o seguinte:
Programma de Ensino para o ano de 1915. 64ª. lição: Triângulos semelhantes.
Theoremas. Theoremas de Thales. Coincidentemente consta também pela primeira vez a denominação de outro teorema: 77ª lição: Relações entre superfícies. Theorema de Pythagoras (Beltrame, 2001). Com isso, levantamos evidências de que na segunda metade do século passado essa denominação se estabelece nos conteúdos escolares, considerando a literatura usada no Brasil e também o currículo escolar.
O que dizer sobre a variedade de nomes? No contexto de uma abordagem
dedutiva em geometria plana, afirmamos que as diferentes proposições se correlacionam e que isso deve ser levado em conta na hora de demonstrar. Mas, no que se refere à presença da nomeação das proposições, a investigação histórica dos conteúdos escolares indica pistas.
Tradicionalmente, a história da matemática fez menção aos feitos de Tales. Roxo (1931), com base em Smith (1958), menciona Tales algumas vezes no texto Thales de Mileto, apresentando quais teoremas podem ser atribuídos provavelmente ao antigo matemático. Ele lista seis casos:
1º Os ângulos na base de um triângulo isósceles são iguais.
2º Quando duas retas se cortam, os ângulos opostos pelo vértice são iguais.
3º Um triângulo fica determinado, quando se dá um lado e os ângulos adjacentes.
4º Os lados dos triângulos equitângulos entre si são proporcionais. (Aplicada a medida da altura da pirâmide pela sombra).
5º Qualquer diâmetro divide o circulo em duas partes iguais.
6º O ângulo subentendido pelo diâmetro de um circulo em um ponto qualquer da circunferência é reto. (p. 28-29) Roxo elenca ainda os seguintes casos em que se usa a denominação teorema de Tales, embora, como os outros autores não mencione nada sobre a origem desse uso:
a) A soma dos ângulos de um triângulo é igual a dois retos ou a 180º. (p. 90)
b) Toda paralela a um dos lados de um triângulo forma com os outros dois lados um triângulo semelhante ao primeiro. (p. 291)
c) Dois triângulos equitângulos entre si têm os lados homólogos proporcionais. (p. 293)
O QUE OCORREU EM OUTROS PAÍSES
Patsopoulos e Patronis (2006) discorrem sobre a presença de referências ao nome de Tales em livros-texto e, segundo eles, antes do nome emergir nos livros apareciam apenas os teoremas atribuídos ao antigo matemático. Na tradução do livro de Tacquet por Voulgaris (1805, p. 25) e no original (1722, p. 20) é mencionada a denominação acima; Benjamim Lesbos (1820, p. 90 e p. 21) menciona os casos no 2 e no 6 (idem, p. 60).
A denominação teorema de Tales vai aparecer em poucos livros franceses por volta dos anos 1880. Em 1882, Rouché e Comberousse se referem ao caso geral, “retas paralelas determinam segmentos proporcionais sobre secantes quaisquer”, e o nome ainda é atribuído pelo menos a dois casos particulares: o caso c acima, (Rouché, Camberousse, 1883) e à proposição, “a paralela aos lados de um triângulo divide proporcionalmente os outros dois lados”, (Combettte, 1882). A denominação se estabelece de modo geral nos livros-texto franceses a partir dos anos 1920. Em 1925 aparece no currículo francês.
Há ocorrências do nome teorema de Tales para o caso geral, em livros italianos de geometria analítica (Enrico, 1885, p. 34) e de geometria projetiva (Burali-Forti, 1912, p. 92). Na Inglaterra e Estados Unidos há apenas registros das realizações geométricas de Tales, os quais têm origem no livro de Smith, como vimos ter ocorrido também no Brasil com o autor Roxo (1931). Em livros-texto alemães, o nome é atribuído ao teorema listado como caso a, acima (a soma dos ângulos de um triângulo é igual a 180º) (Schwering, Krimphoff, 1894, p. 53). Em outros países como Espanha, Rússia, Bélgica o nome aparece como no caso da França e Itália e nos países Áustria, República Checa e Hungria vigora o sentido usado na Alemanha. Na Grécia, primeiro aparece o caso alemão, em 1904, mas em 1927 o uso passa a ser o dos livros franceses (idem, p. 61).
Também com os autores Patsopoulos e Patronis (idem) surge uma questão que caracteriza culturalmente a abordagem francesa dos conteúdos em livros-texto, que eu discuti em minha tese de doutorado a partir do livro Elementos de Geometria de Legendre, 1ª edição de 1794, autor que seguindo a tradição francesa de Ramus e Arnauld inverte a ordem de exposição do conteúdo da geometria dedutiva, em relação ao modelo euclidiano (Manso de Almeida, 2008). Legendre trata primeiro a semelhança de triângulos com o uso da proporcionalidade, ao contrário do que se apresenta nos Elementos de Euclides.
Um modo de observar esse padrão euclidiano de abordagem é estudando as
demonstrações do teorema de Pitágoras nos Elementos: este teorema, proposição 47 do Livro I, é demonstrado pelo método da equivalência de área, procedimento que não requer o uso da teoria da proporcionalidade e que caracteriza os três livros subsequentes. A teoria das proporções consta, depois, do Livro V dos Elementos e, a partir daí a proporcionalidade passa a ser usada no desenvolvimento das provas. Outra demonstração do teorema de Pitágoras, a prova pela semelhança de figuras com base nas proporções, vai aparecer como proposição 36 do Livro VI, na obra euclidiana.
O fato é que Euclides usa a equivalência de áreas e a semelhança de figuras para provar igualdades geométricas, numa determinada ordem, e isso significa um critério para o uso da proporcionalidade. Nesse sentido, a tradição francesa transgrida tal modelo em favor do uso das relações proporcionais que, como se sabe, embasam o conceito de semelhança. Por sua vez, as proposições nomeadas como teorema de Tales se referem ao conceito de semelhança. Somos levados, dessa forma, ao reconhecimento de variações no modo de abordagem dos conteúdos em função do contexto cultural, premissa que torna compreensível o surgimento da denominação teorema de Tales na França – a ênfase nas relações proporcionais.
Considerando agora o teorema de Tales, a proporcionalidade dos segmentos de reta que representam os lados do triângulo tem seu equivalente na proposição 2, do Livro VI dos Elementos, portanto, em posição posterior à da teoria da proporcionalidade, ordem que em Legendre também não é obedecida. Mas, tal inversão não foi seguida em livros-texto alemães até os anos 1920, enquanto, na Itália, Euclides era adotado nas escolas.
Nas primeiras décadas do último século, na França, o nome teorema de Tales se tornará comum nos livros-texto, estando associado ao “teorema do feixe de retas paralelas” que foi essencial no desenvolvimento de um novo ramo, a geometria projetiva – campo de estudo em que o conceito de semelhança, que mobiliza as relações proporcionais, ganha um lugar central. Nessa época, surge também um interesse por Tales e os registros históricos ligados ao seu nome, que como sabemos são feitos envolvendo o conceito de semelhança, fato que pode explicar o uso da nomeação dos teoremas (idem, p. 62-63).
Patsopoulos e Patronis (2006) discorrem sobre a presença de referências ao nome de Tales em livros-texto e, segundo eles, antes do nome emergir nos livros apareciam apenas os teoremas atribuídos ao antigo matemático. Na tradução do livro de Tacquet por Voulgaris (1805, p. 25) e no original (1722, p. 20) é mencionada a denominação acima; Benjamim Lesbos (1820, p. 90 e p. 21) menciona os casos no 2 e no 6 (idem, p. 60).
A denominação teorema de Tales vai aparecer em poucos livros franceses por volta dos anos 1880. Em 1882, Rouché e Comberousse se referem ao caso geral, “retas paralelas determinam segmentos proporcionais sobre secantes quaisquer”, e o nome ainda é atribuído pelo menos a dois casos particulares: o caso c acima, (Rouché, Camberousse, 1883) e à proposição, “a paralela aos lados de um triângulo divide proporcionalmente os outros dois lados”, (Combettte, 1882). A denominação se estabelece de modo geral nos livros-texto franceses a partir dos anos 1920. Em 1925 aparece no currículo francês.
Há ocorrências do nome teorema de Tales para o caso geral, em livros italianos de geometria analítica (Enrico, 1885, p. 34) e de geometria projetiva (Burali-Forti, 1912, p. 92). Na Inglaterra e Estados Unidos há apenas registros das realizações geométricas de Tales, os quais têm origem no livro de Smith, como vimos ter ocorrido também no Brasil com o autor Roxo (1931). Em livros-texto alemães, o nome é atribuído ao teorema listado como caso a, acima (a soma dos ângulos de um triângulo é igual a 180º) (Schwering, Krimphoff, 1894, p. 53). Em outros países como Espanha, Rússia, Bélgica o nome aparece como no caso da França e Itália e nos países Áustria, República Checa e Hungria vigora o sentido usado na Alemanha. Na Grécia, primeiro aparece o caso alemão, em 1904, mas em 1927 o uso passa a ser o dos livros franceses (idem, p. 61).
Também com os autores Patsopoulos e Patronis (idem) surge uma questão que caracteriza culturalmente a abordagem francesa dos conteúdos em livros-texto, que eu discuti em minha tese de doutorado a partir do livro Elementos de Geometria de Legendre, 1ª edição de 1794, autor que seguindo a tradição francesa de Ramus e Arnauld inverte a ordem de exposição do conteúdo da geometria dedutiva, em relação ao modelo euclidiano (Manso de Almeida, 2008). Legendre trata primeiro a semelhança de triângulos com o uso da proporcionalidade, ao contrário do que se apresenta nos Elementos de Euclides.
Um modo de observar esse padrão euclidiano de abordagem é estudando as
demonstrações do teorema de Pitágoras nos Elementos: este teorema, proposição 47 do Livro I, é demonstrado pelo método da equivalência de área, procedimento que não requer o uso da teoria da proporcionalidade e que caracteriza os três livros subsequentes. A teoria das proporções consta, depois, do Livro V dos Elementos e, a partir daí a proporcionalidade passa a ser usada no desenvolvimento das provas. Outra demonstração do teorema de Pitágoras, a prova pela semelhança de figuras com base nas proporções, vai aparecer como proposição 36 do Livro VI, na obra euclidiana.
O fato é que Euclides usa a equivalência de áreas e a semelhança de figuras para provar igualdades geométricas, numa determinada ordem, e isso significa um critério para o uso da proporcionalidade. Nesse sentido, a tradição francesa transgrida tal modelo em favor do uso das relações proporcionais que, como se sabe, embasam o conceito de semelhança. Por sua vez, as proposições nomeadas como teorema de Tales se referem ao conceito de semelhança. Somos levados, dessa forma, ao reconhecimento de variações no modo de abordagem dos conteúdos em função do contexto cultural, premissa que torna compreensível o surgimento da denominação teorema de Tales na França – a ênfase nas relações proporcionais.
Considerando agora o teorema de Tales, a proporcionalidade dos segmentos de reta que representam os lados do triângulo tem seu equivalente na proposição 2, do Livro VI dos Elementos, portanto, em posição posterior à da teoria da proporcionalidade, ordem que em Legendre também não é obedecida. Mas, tal inversão não foi seguida em livros-texto alemães até os anos 1920, enquanto, na Itália, Euclides era adotado nas escolas.
Nas primeiras décadas do último século, na França, o nome teorema de Tales se tornará comum nos livros-texto, estando associado ao “teorema do feixe de retas paralelas” que foi essencial no desenvolvimento de um novo ramo, a geometria projetiva – campo de estudo em que o conceito de semelhança, que mobiliza as relações proporcionais, ganha um lugar central. Nessa época, surge também um interesse por Tales e os registros históricos ligados ao seu nome, que como sabemos são feitos envolvendo o conceito de semelhança, fato que pode explicar o uso da nomeação dos teoremas (idem, p. 62-63).
CONCLUINDO
Como já mencionei, o estudo histórico forneceu uma explicação para o uso do nome teorema de Tales em livros-texto. Observe que a nomeação recai sobre proposições relacionadas com o conceito de semelhança, por volta dos anos 1880, no caso da França e, posteriormente, se estabelece de modo geral nos textos franceses e em textos de outros países a partir da segunda década do século XX. Além disso, a tradição francesa de abordagem dos conteúdos da geometria dedutiva foi a de reverter a ordem euclidiana, priorizando o uso das relações proporcionais, ao contrário do que aconteceu
na Alemanha e Itália.
Assim, o surgimento do nome Teorema de Tales nos livros-texto mostra um modo de apropriação da História da Matemática: estaria agregando valor, pelo fato de associar o nome de um matemático famoso a uma proposição fundamental em um novo ramo de estudo, a geometria projetiva, que se desenvolvia, com referência, entre os franceses (Patsopoulos e Patronis, idem). Logo, a origem da nomeação teorema de Tales se relaciona com uma tradição nacional e cultural que nos envia à França.
Os livros-texto usados no ensino da geometria dedutiva, no Brasil, mostram que a variedade das nomeações inclui os casos ocorridos em outros países. Sugere também reconhecer a presença da influência francesa na historiografia escolar do nosso país, pois a ordem de abordagem de Legendre caracteriza a base documental usada neste estudo. Também os livros-texto atestam a presença da nomeação teorema de Tales, entre nós, a partir da segunda década do século XX, de acordo com o que ocorreu em outros países, indicando a presença da influência francesa. E, uma instância importante de entendimento desse processo cultural reside em reconhecer a centralidade do modelo euclidiano de abordagem dedutiva dos conteúdos, quando se busca entender a história do ensino da matemática investigando os conteúdos e os livros escolares.
Como já mencionei, o estudo histórico forneceu uma explicação para o uso do nome teorema de Tales em livros-texto. Observe que a nomeação recai sobre proposições relacionadas com o conceito de semelhança, por volta dos anos 1880, no caso da França e, posteriormente, se estabelece de modo geral nos textos franceses e em textos de outros países a partir da segunda década do século XX. Além disso, a tradição francesa de abordagem dos conteúdos da geometria dedutiva foi a de reverter a ordem euclidiana, priorizando o uso das relações proporcionais, ao contrário do que aconteceu
na Alemanha e Itália.
Assim, o surgimento do nome Teorema de Tales nos livros-texto mostra um modo de apropriação da História da Matemática: estaria agregando valor, pelo fato de associar o nome de um matemático famoso a uma proposição fundamental em um novo ramo de estudo, a geometria projetiva, que se desenvolvia, com referência, entre os franceses (Patsopoulos e Patronis, idem). Logo, a origem da nomeação teorema de Tales se relaciona com uma tradição nacional e cultural que nos envia à França.
Os livros-texto usados no ensino da geometria dedutiva, no Brasil, mostram que a variedade das nomeações inclui os casos ocorridos em outros países. Sugere também reconhecer a presença da influência francesa na historiografia escolar do nosso país, pois a ordem de abordagem de Legendre caracteriza a base documental usada neste estudo. Também os livros-texto atestam a presença da nomeação teorema de Tales, entre nós, a partir da segunda década do século XX, de acordo com o que ocorreu em outros países, indicando a presença da influência francesa. E, uma instância importante de entendimento desse processo cultural reside em reconhecer a centralidade do modelo euclidiano de abordagem dedutiva dos conteúdos, quando se busca entender a história do ensino da matemática investigando os conteúdos e os livros escolares.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BELTRAME, J. Os programas de ensino de matemática do Colégio Pedro II: 1837–1932. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2000. Dissertação de Mestrado.
CARVALHO, J. B. P. F. Introdução aos Elementos de Euclides. Rio de Janeiro: Intemat, 2008. (no prelo).
LEHMANN, D.; BKOUCHE, R. Initiation à la géométrie. Paris: PUF, 1982. p. 439-487.
MANSO DE ALMEIDA, R. C. Demonstrações em geometria plana em livros-texto no Brasil a partir do século XIX. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2008. Tese de Doutorado.
PATSOPOULOS, D.; PATRONIS, T. The theorem of Thales: a study of the naming of theorems in school geometry textbooks. International Journal for the History of Mathematics Education, n 1, v. 1, p. 57-68. 2006.
BELTRAME, J. Os programas de ensino de matemática do Colégio Pedro II: 1837–1932. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2000. Dissertação de Mestrado.
CARVALHO, J. B. P. F. Introdução aos Elementos de Euclides. Rio de Janeiro: Intemat, 2008. (no prelo).
LEHMANN, D.; BKOUCHE, R. Initiation à la géométrie. Paris: PUF, 1982. p. 439-487.
MANSO DE ALMEIDA, R. C. Demonstrações em geometria plana em livros-texto no Brasil a partir do século XIX. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2008. Tese de Doutorado.
PATSOPOULOS, D.; PATRONIS, T. The theorem of Thales: a study of the naming of theorems in school geometry textbooks. International Journal for the History of Mathematics Education, n 1, v. 1, p. 57-68. 2006.
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