Astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional não contam com um ambulatório
Há séculos exploradores desenvolveram a habilidade de improvisar para lidar com doenças e emergências médicas em algumas das mais inóspitas e isoladas condições. Mas e os astronautas?
Em uma época em que a retomada das missões tripuladas é estudada, com missões para a Lua e Marte sendo debatidas, a preocupação com possíveis percalços faz parte dos planos.
Michael Barratt é médico e astronauta da Nasa, a agência espacial americana. Mas em suas missões ele jamais precisou ser uma versão na vida real do famoso especialista médico de Jornada nas Estrelas, o Dr. McCoy. “Não estamos em um ponto de termos tripulação grande o suficiente ou estarmos tão longe de casa para ter um especialista”.
Esqueça as imagens de um ambiente pristino e high tech oferecidas pela ficção científica. Na Estação Espacial Internacional (ISS), por exemplo, o departamento médico é tão primitivo quanto o encontrado na piscina de um clube.
“Nosso kit médico é uma versão reduzida do que um paramédico teria. Sim, contamos com um desfibrilador, com equipamento de respiração artificial e alguns medicamentos de emergência para socorrer alguém que tenha sofrido um ferimento mais dramático. Mas não podemos manter um paciente vivo por muito tempo”, afirma Barratt.
Complicações
Felizmente, os problemas médicos que acometem as tripulações da ISS nunca foram graves. Apenas um astronauta, o italiano Luca Parmitano, chegou perto de algo mais sério ao quase se afogar durante uma caminhada espacial depois de água vazar para seu capacete.
No entanto, há uma série de ocorrências de rotina exclusivas do ambiente espacial. Além de problemas a longo prazo causado pela perda de massa óssea e muscular, astronautas a bordo da estação relatam um número de queixas médicas.
“Temos enjoo, dores nas costas, problemas de visão. (Em gravidade zero) o sistema imunológico muda, o equilíbrio dos fluidos no organismo muda e isso incorre em uma série de questões médicas”, completa o médico-astronauta.
A ISS está em órbita da Terra a apenas 400km de altitude e o procedimento em prática para qualquer emergência médica é colocar os astronautas em uma espaçonave Soyuz e leva-los para casa.
“Em questão de horas podemos ter alguém de volta à Terra. Mas a coisa se complica se quisermos ir mais longe. Por exemplo, se estamos em uma espaçonave a caminho da Lua ou Marte”.
Para investigar o desafio de uma cirurgia no espaço, uma série de experimentos em gravidade zero já foram realizados.
Em 1991, quando a ISS estava em planejamento e havia a previsão de um mini-hospital a bordo, cientistas realizaram operações em coelhos durante voos parabólicos – viagens de avião que criam um ambiente de gravidade zero e são usadas também para filmar cenas de filmes espaciais.
Os resultados não foram animadores.
“Um dos principais problemas era conter fluidos. Se você danificar uma artéria, por exemplo, a pressão sanguínea será suficiente para que o sangue voe e atrapalhe a visão dos médicos”, afirma Barrett.
A Nasa apoiou um projeto que não apenas tenta lidar com isso, mas também com o risco de infecções – no ar da estação espacial há uma série de bactérias flutuando, o que aumenta o risco de infecção. A solução seria uma espécie de redoma que cobriria a área a ser examinada e contendo um líquido capaz de manter o ferimento limpo.
Anestesia
Há também a preocupação com as dores. “Usar anestesia inalada em um ambiente controlado como o de uma espaçonave é difícil porque o gás poderia contaminar o ambiente”, acrescenta Barratt.
A Nasa também estuda o uso da telerrobótica, por meio de robôs-cirurgiões, controlados por médicos da Terra, ou mesmo androides in loco. “Mas ainda estamos longe de termos essa autonomia. O mais provável é que teremos um médico minimamente treinado a bordo e que possa receber instruções mais detalhadas, ou mesmo um treinamento em tempo real. Talvez um assistente robótico”, diz o astronauta.
Se parece assustadora a ideia de ser operado por um colega sem muito know-howe equipado com um vídeo do tipo “faça você mesmo”, então é melhor você não se voluntariar para missões a Marte; essa provavelmente será a realidade de astronautas que se machucarem durante uma missão deste tipo.
Na superfície de um mundo alienígena, se um astronauta quebrar uma perna ou sofrer com um apêndice supurado, há pouca chance de que receba o tipo de cuidado que poderia esperar na Terra.
“Quanto mais longe viajarmos, maior será o número de restrições para o que poderemos carregar e quem poderemos carregar”, diz Barratt. “Se estamos indo para a Lua, você ainda tem comunicações em tempo real, mas ainda estamos falando de uma viagem total de cinco dias”.
No caso de Marte, limites de peso a bordo vão restringir a quantidade de equipamento médico, e o delay nas comunicações – o planeta vermelho está 78 milhões de quilômetros do nosso – tornarão impossível o uso da telerrobótica ou comunicação em tempo real com a Terra.
Astronautas em viagens espaciais enfrentam riscos parecidos com os exploradores em missões polares na Terra. “É como as expedições de antigamente, em que o alto nível de cuidados médicos estará muito, muito distante”, diz Barratt. “O indivíduo, a tripulação, a agência espacial e o público terão que aceitar esse grau de risco”.
Barratt, porém, está confiante que um de seus sucessores conseguirá um dia trabalhar como o Dr. McCoy.
“Um ambulatório médico no espaço será uma realidade no futuro, mas vai depender muito do tamanho da tripulação, da espaçonave de quão remota a viagem será para que você justifique a relação custo-benefício”.
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