sábado, 20 de fevereiro de 2016

Hipóteses ou teorias?

Uma das maiores confusões que se faz a respeito das descobertas científicas é uso do termo “teoria”. Existem vários e justificáveis motivos para essa confusão. Primeiro, é importante ter em mente que “teoria” tem significados diferentes na acepção popular do termo e na linguagem acadêmica. Além disso, há grande desinformação sobre as bases e pressupostos da ciência entre a população, especialmente no que se refere ao conhecimento como “verdade provisória”.
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Dito isso, a primeira coisa a se fazer é diferenciar o significado popular e acadêmico do termo “teoria”. Na linguagem popular, teoria é toda especulação que visa explicar alguma circunstância, situação ou evento. Já na linguagem acadêmica, esse significado não tem nada a ver com o termo.

Apresentando a hipótese
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A juiz de todo conhecimento científico é a evidência. É a partir dela que se define uma “verdade”* científica. Toda vez que um fenômeno desconhecido ocorre, é necessário entender como esse fenômeno funciona, mas na grande maioria das vezes não se sabe nem por onde começar já que o fenômeno é, bem…desconhecido. Por isso, é necessário partir de algum lugar, tentar especular sobre o que pode ser esse fenômeno e qual seria seu funcionamento. A essa especulação damos o nome de “hipótese”. Ou seja, se você pensar bem, o significado popular do termo “teoria” descreve, guardadas as devidas proporções, uma hipótese. Quando alguém diz “Eu tenho uma teoria de que a grama do vizinho é mais verde porque ele usa o produto X”, ela está na verdade criando uma hipótese, não uma teoria.
Não existe uma regra sobre a ordem das coisas: às vezes as evidências levam a uma hipótese, às vezes uma hipótese leva à evidência, às vezes ambos, num processo cíclico. Ainda assim pode-se dizer que a hipótese serve sempre como ponto de partida para a investigação de um evento. O próximo passo, a partir daí, é testar a hipótese e verificar se as evidências a reforçam ou a descartam.

Da hipótese para a teoria
Uma hipótese pode se transformar em uma teoria no momento em que ela se torna bem fundamentada, ou seja, quando as evidências apontam para sua veracidade. Essa distinção é fundamental para se entender como uma teoria científica é aplicada. Uma teoria científica é um modelo que explica um fenômeno que acontece na natureza**. Para ser considerada uma teoria, a explicação precisa:
1 – Explicar algo que possa ser testado. A natureza dos testes depende do tipo de teoria e do que ela quer explicar: a teoria quântica, por exemplo, não pode ser verificada por meios “normais”, mas é definida por equações matemáticas e seus efeitos podem ser previstos e medidos. Já quanto a hipótese de vida em outros planetas, só é preciso encontrar alguma entidade que tenha DNA ou algo parecido com DNA***. A rigor, define-se que uma teoria só é científica se for possível pensar em um teste que a comprove ou a descarte. Não é necessário que o teste seja feito, só é preciso que isso seja possível. Uma hipótese do tipo “a alma cheira a incenso” não pode ser considerada científica pois não há teste que possa validá-la;
2 – Prever aspectos do fenômeno, que podem ser verificados. A teoria do Big Bang é uma das mais bem sucedidas, não só porque especula sobre como surgiu o universo, mas por que seus pressupostos prevêem aspectos da realidade (como a aceleração da expansão do universo, a radiação cósmica de fundo, entre outros) que podem ser observados naturalmente. Em outras palavras, uma teoria não só explica um fenômeno, mas prevê certos eventos ou características que devem acontecer caso a hipótese seja verdadeira;
3 – Gerar os mesmos resultados em testes independentes que usem os mesmos critérios. Uma teoria só é científica se o método científico pode ser usado para validá-la ou refutá-la. É necessário que outros cientistas ou organizações independentes possam, dentro das mesmas condições, testar por conta própria a teoria para atestar sua veracidade. Isso acontece porque é comum que a pessoa olhe apenas para aquilo que valida nossa hipótese e inconscientemente ignore o que a descarte. Como é impossível para o ser humano ser 100% objetivo individualmente, a intersubjetividade (avaliação por outros membros da comunidade científica) garante que o cientista não seja enganado por suas próprias expectativas.
Todas estas características vão de encontro ao cerne da validação científica, que é a evidência. 
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Não existe essa coisa de uma teoria vira “lei” (como pensam algumas pessoas), por vários motivos: primeiro, leis são “verdades gerais” usadas em teorias; segundo, uma teoria já é uma explicação bem fundamentada e passível de demonstração e predição; terceiro, e talvez mais importante é que há muito a ciência já desistiu de buscar uma “verdade absoluta” (o conceito de “lei científica” insinua uma verdade irrefutável, que hoje se considera improvável de ser alcançada) e tem como principal característica a percepção do conhecimento como verdade provisória, ou seja, a teoria vale como parte de um paradigma sobre o conhecimento atual.
Dificilmente uma teoria científica amplamente aceita anteriormente é completamente descartada. O que geralmente acontece é ela ser substituída por outra mais abrangente, ou ter detalhes revistos com o passar do tempo e o maior conhecimento do fenômeno. As melhores teorias são aquelas que resistem ao tempo, mesmo com revisões. A Evolução por Seleção Natural e o Big Bang são bons exemplos de teorias tão sólidas que sequer possuem rivais à altura para desafiá-las, mesmo depois de tanto tempo.
Então, da próxima vez que alguém lhe disser que a evolução é “apenas uma teoria”, talvez a melhor resposta seja: “É verdade. Ainda bem que existem tantas evidências para confirmá-la”.
Fontes:
Oliva, Alberto. Filosofia da Ciência. Editora Zahar. 2010.
Rosenberg, Alex. Introdução à Filosofia da Ciência. Editora Loyola. 2009.
Sagan, Carl. O mundo assombrado pelos demônios – a ciência como uma vela no escuro. Companhia das Letras. 2006.
Popper, Karl. A Lógica da Pesquisa Científica. Editora Cultrix. 2007.
Feder, Kenneth. Frauds, Myths, and Mysteries: Science and Pseudoscience in Archaeology. McGraw-Hill Humanities/Social Sciences/Languages, 1991.
* É importantíssimo nunca esquecer que “verdade” em ciência é sempre um consenso provisório; não há verdades absolutas na ciência.
** Vale ressaltar que o termo “natureza” aqui é bem mais amplo do que o que é usado popularmente, e se refere inclusive a coisas como, por exemplo, processos mentais.
*** É um exemplo injusto, pensando bem, já que ainda não se sabe ao certo definir exatamente “o que é vida” fora aquela que conhecemos. Mas vamos ignorar este ponto para efeitos didáticos.

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