Decidimos construir esse tópico para mostrar como a matemática está relacionada com a música, afinal muita gente ignora o fato de que realmente existe matemática na música. Talvez você não goste de matemática, mas não se preocupe, tentaremos explicar cada conceito de maneira simples, para que você perceba que nossa sensibilidade ao som está ligada à lógica de nosso cérebro. Isso é muito interessante, então deixe seus possíveis preconceitos de lado. Todo conhecimento é legal quando bem ensinado.
Antes de entrarmos no assunto de matemática na música, vamos relembrar alguns conceitos básicos.
A física na música
Ok, nos primeiros tópicos aqui do site, nós comentamos que o som é uma onda e que a frequência do som é o que define a nota musical. Mas o que é uma frequência? É uma repetição com referência de tempo. Imagine, por exemplo, uma roda de bicicleta girando. Se essa roda completa uma volta em 1 segundo, dizemos que a frequência dessa roda é “uma volta por segundo”, ou “um Hertz”. Hertz é apenas um nome dado para representar a unidade de frequência, e costuma ser abreviado para “Hz”. Se essa roda do nosso exemplo completasse 10 voltas em 1 segundo, sua frequência seria 10 Hertz (10 Hz).
Legal, mas o que isso tem a ver com o som? Oras, o som é uma onda, e essa onda oscila com uma certa frequência. Se uma onda sonora completar uma oscilação em 1 segundo, sua frequência será 1 Hz. Se ela completar 10 oscilações em 1 segundo, sua frequência será de 10 Hz. Para cada frequência, temos um som diferente (uma nota diferente). A nota Lá, por exemplo, corresponde a uma frequência de 440 Hz.
A matemática na música
E onde entra a matemática nessa história? Observou-se que quando uma frequência é multiplicada por 2, a nota permanece a mesma. Por exemplo, a nota Lá (440 Hz) multiplicada por 2 = 880 Hz é também uma nota Lá, só que uma oitava acima. Se o objetivo fosse abaixar uma oitava, bastaria dividir por 2. Podemos concluir então que uma nota e sua respectiva oitava mantêm uma relação de ½.
Muito bem, antes de continuarmos, vamos voltar ao passado, para a Grécia Antiga. Naquela época, existiu um homem chamado Pitágoras que fez descobertas muito importantes para a matemática (e para a música). Isso que acabamos de mostrar sobre oitavas ele descobriu “brincando” com uma corda esticada. Imagine uma corda esticada, presa nas suas extremidades. Quando tocamos essa corda, ela vibra (observe o desenho abaixo):
Pitágoras decidiu dividir essa corda em duas partes e tocou cada extremidade novamente. O som produzido era exatamente o mesmo, só que mais agudo (pois era a mesma nota uma oitava acima):
Pitágoras não parou por aí. Ele decidiu experimentar como ficaria o som se a corda fosse dividida em 3 partes:
Ele reparou que um novo som surgiu, diferente do anterior. Dessa vez, não era a mesma nota uma oitava acima, mas uma nota diferente, que precisava receber outro nome. Esse som, apesar de ser diferente, combinava bem com o som anterior, criando uma harmonia agradável ao ouvido, pois essas divisões até aqui mostradas possuem relações matemáticas 1/2 e 2/3 (nosso cérebro gosta de relações lógicas bem definidas).
Assim, ele continuou fazendo subdivisões e foi combinando os sons matematicamente criando escalas que, mais tarde, estimularam a criação de instrumentos musicais que pudessem reproduzir essas escalas. O intervalo do trítono, por exemplo, foi obtido a partir da relação 32/45, uma relação complexa e inexata, fator que leva nosso cérebro a considerar esse som instável e tenso. Com o passar do tempo, as notas foram recebendo os nomes que conhecemos hoje.
A matemática das escalas musicais
Muitos povos e culturas criaram suas próprias escalas musicais. Um exemplo foi o povo chinês, que partiu da experiência de Pitágoras (utilizando cordas).
Eles tocaram a nota Dó em uma corda esticada e depois dividiram essa corda em 3 partes, como acabamos de mostrar. O resultado dessa divisão foi a nota Sol. Ao observar que essas notas possuíam uma harmonia entre si, eles repetiram o procedimento a partir dessa nota Sol, dividindo novamente esse pedaço de corda em 3 partes, resultando na nota Ré. Essa nota matinha uma harmonia agradável com a nota Sol e também com a nota Dó. Esse procedimento foi então repetido a partir da nota Ré, dando origem à nota Lá. Depois, partindo de Lá, chegou-se à nota Mi.
Quando eles repetiram esse procedimento de dividir em 3 partes a corda mais uma vez, dando origem à nota Si, houve um problema, pois a nota Si não soava muito bem quando tocada junto com a nota Dó (a primeira nota do experimento). De fato, essas notas eram muito próximas uma da outra, o que causava um certo desconforto sonoro. Por isso, os chineses terminaram suas divisões obtendo as notas Dó, Sol, Ré, Lá e Mi, deixando a nota Si de lado. Essas notas serviram de base para a música chinesa, formando uma escala de 5 notas (Pentatônica). Essa escala pentatônica, por ser agradável e consonante, representou muito bem a cultura oriental, que sempre foi pautada na harmonia e estabilidade.
Desde sua criação até os dias de hoje, a escala pentatônica representa uma ótima opção para melodias, como já comentamos no tópico “escala pentatônica”. Mas vamos voltar ao assunto de notas e frequências, afinal só mostramos até agora 5 notas da escala.
A matemática das 12 notas
A música ocidental, que trabalha com 12 notas, não descartou a nota Si como a cultura oriental havia feito. Os ocidentais observaram que as notas Dó e Si eram próximas uma da outra e decidiram criar uma escala mais abrangente. Nessa escala, todas as notas deveriam ter a mesma distância umas das outras. E essa distância deveria ser o intervalo que havia entre Dó e Si (um semitom). Ou seja, entre Dó e Ré, por exemplo, precisaria existir uma nota intermediária, pois a distância entre Dó e Ré (um tom) era maior que a distância entre Dó e Si (um semitom). Por meio da análise de frequências, descobriu-se que multiplicando a frequência da nota Si pelo número 1,0595 chegava-se na frequência da nota Dó, observe:
Frequência da nota Si: 246,9 Hz
Frequência da nota Dó: 261,6 Hz
Multiplicando a frequência da nota Si por 1,0595 teremos:
246,9 x 1,0595 = 261,6 Hz (nota Dó)
Como nosso objetivo é manter essa mesma relação (distância) para as demais notas, vamos utilizar esse procedimento para descobrir qual será a nota que virá depois de Dó. Multiplicando a frequência da nota Dó por 1,0595:
261,6 x 1,0595 = 277,2 Hz (Nota Dó sustenido)
Repetindo o procedimento para ver o que vem depois de Dó sustenido:
277,2 x 1,0595 = 293,6 Hz (Nota Ré)
Observe que seguindo essa lógica, podemos formar toda a escala cromática! Ou seja, depois de multiplicar a frequência da nota Dó pelo número “1,0595” doze vezes, voltaremos à nota Dó. Isso só é possível porque “1,0595” corresponde ao resultado da raiz . Observe que multiplicada por ela mesma 12 vezes é ( = 2. E já vimos que uma nota multiplicada por 2 é ela mesma uma oitava acima.
Agora sim podemos ver claramente que esses números não saíram do acaso. O objetivo desde o início foi dividir uma escala em 12 partes iguais, de maneira que a última nota voltasse a ser a primeira.
Foi assim que surgiu a escala temperada, também chamada de cromática.
O logaritmo na música
Não entraremos em maiores detalhes, mas quem sabe um pouquinho de matemática reparou que nós trabalhamos aqui com o logaritmo de base 2. Por isso, os construtores dos pianos colocaram a forma do gráfico de um logaritmo no corpo do piano, para fazer uma referência a essa descoberta matemática musical. Observe:
Exemplo de gráfico logarítmico:
Corpo do piano:
Existem muitas outras explicações matemáticas para diversas questões da música, mas para mostra-las aqui seria necessário abordar assuntos mais avançados em matemática, como séries de Fourier, função Zeta de Riemann, etc. Como poucos possuem essa base matemática, não iremos nos estender mais.
Nosso objetivo foi mostrar como a música trabalha matematicamente e como as relações lógicas são compreendidas por nosso cérebro, gerando tranquilidade ou tensão. Obviamente, fizemos tudo aqui utilizando aproximações (números arredondados), pois uma análise mais apurada seria tediosa para a maioria dos leitores.
Não é necessário decorar tudo o que ensinamos nesse tópico, apenas guarde que a música não surgiu do nada, ela é resultado de uma organização numérica. A interpretação de tudo isso quem faz é o nosso maravilhoso e misterioso cérebro.
A conclusão final é que, se você é músico, então você é (de uma forma ou de outra) matemático, pois as sensações de prazer que você sente ao ouvir música escondem cálculos subliminares. Seu cérebro gosta de cálculos, ele é uma máquina de calcular! Quanto mais você praticar, estudar e conhecer música, mais essa faculdade vai se desenvolver. Provavelmente você vai começar a sentir prazer ao ouvir músicas que antes não lhe traziam grandes sentimentos.
Podemos comparar isso com um aluno de física do 1º. semestre. Se ele ler um livro de física moderna, vai parecer grego pra ele, não vai lhe trazer prazer algum. Mas alguns anos depois, quando que ele já tiver alcançado uma base matemática sólida e se deparar com esse mesmo livro, talvez ele passe a amar esse assunto e queira dedicar sua vida a isso.
Contido em: http://www.descomplicandoamusica.com/matematica-na-musica/, pesquisado em: 25/06/2015 as 15H00.